segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Boneca

Silvia sempre foi linda. Desde o nascimento era uma criança linda, encantadora. Pouco chorava, pouco reclamava, dormia quietinha, nunca ficava doente.
-Mas essa menina é uma boneca, diziam.
-Quem é a bonequinha da madrinha?
-Eu! Respondia Silvia, toda contente.
-Quem é a boneca mais linda do mundo da vó?
-Eu! Toda feliz Silvia respondia, acreditando que era mesmo uma boneca.
Mas ela não era. Percebeu um dia em suas descobertas de como é a vida de verdade. Tinha seis anos, quase sete.
-Mas as bonecas não se mexem mãe!
-O quê?
-As bonecas mãe! Elas não se mexem! E eu se mexo.
A mãe deixou passar o erro de português, tão raro um defeito na menina, que achava até bom quando ela falava assim, Márcia se sentia estranhamente mais normal. Balançou a cabeça espantando o pensamento estranho.
-Mas claro Silvia, elas são bonecas. Não são meninas de verdade.
-Mas eu sou uma boneca e sou uma menina de verdade. Não sou mãe?
-Sim, você é uma menina de verdade.
-E eu sou uma boneca.
-Não Silvia. Você é uma menina Quando as pessoas dizem que você é uma boneca, querem dizer que você é linda. É só um jeito de dizer que você é linda.
Beliscou de leve o narizinho arrebitado da menina.
Silvia não entendia como isso podia ser. Era uma boneca!
-Que coisa! Fez um bico e ficou pensando sobre o que acabara de descobrir.
-Mãe? Como a gente vira outra coisa?
-Bom, a gente deseja. A gente faz pensamento positivo! A gente pensa um montão...
-Pede pra fadas?
-É, concordou Márcia rindo. - Pode pedir pra fadas sim.
-Ótimo!
-Ótimo? Que criança diz ótimo?
Novamente com pensamentos estranhos sobre a filha, lembrou que quando quisera engravidar, depois de várias tentativas frustradas, fez um pedido as fadas. Era um momento de diversão, estava com uma amiga em uma loja esotérica, e viu uma fadinha linda, com uma inscrição “fada dos desejos – peça o que quiser! Toque os olhos da fada e seu pedido se realizará.” Márcia riu, achando aquilo tudo uma bobagem, e foi se afastando da fada, olhando outras coisas, mas sua atenção parecia o tempo todo se voltar para a pequena fadinha delicada. Decidiu-se sem nem perceber direito, “me ajuda? Me traz um bebê?” E tocou com as pontas dos dedos, os olhos brilhantes da fada. Saiu quase correndo da loja, com vergonha de si mesma.
-O que foi? Rosamaria, a amiga, saiu correndo atrás de Márcia.
-Nada, só me senti um pouco mal, vamos embora.
Depois disso, esqueceu completamente esse dia. Mas agora lembrava que foi na semana seguinte que se sentindo enjoada, foi até a farmácia e comprou um teste de gravidez. Descobriu que estava grávida.
Enquanto isso, Silvia fazia seu pedido, juntando as mãozinhas em prece, ajoelhada no tapete e forma de tartaruga. Pediu com toda à vontade de seu coração para que seu maior desejo fosse realizado. A mãe não sabia, mas ela possuía uma fada! Esse era um segredo seu e da madrinha.
Rosamaria havia dado a Silvia uma fadinha igual a que a mãe vira na loja, mas havia pedido para a menina não dizer nada a mãe, pis o seu aniversário ainda não chegara e Marcia já pedira a amiga para dar menos presentes a afilhada
-Você a mima demais! Dá tudo o que ela quer!
-Mas não é para isso que servem as madrinhas?
-Por favor, fadinha linda! Por favor, por favor, por favor! Prometo que vou ser a boneca mais boazinha do mundo! Tocou os olhos da fada como lera no papelzinho que vinha pendurado nela. Guardou-a dentro do guarda roupas e foi dormir feliz, achando que como era uma menina tão boazinha, não era o que todos diziam? Certamente a fadinha iriam realizar seu desejo! Cochilou e de repente acordou assustada. Sentiu um arrepio no corpo todo e os dedinhos dos pés ficarem frios. Ouviu um tec! E os sentiu ficarem duros. Mais um tec! E as perninhas também ficaram duras. Arregalou os olhos estranhando o que se passava, e outro tec! E uma dor na barriguinha a fez colocar as mãos sobre ela num ai! Sentiu as costas ficarem duras, os braços foram puxados para os lados e tec! Tec! Tec! Tudo duro também. Começou a sentir o peito oprimido, como quando se esforçava para ficar mais tempo do que o pai nas competições na piscina, quando apostava quem ficava mais tempo debaixo da água. Quis gritar pela mãe, mas não conseguiu a voz sumiu e tec! O peito e o rosto também endureceram. A boca se abriu num meio sorriso, os olhos vidraram.
Pela manhã, Márcia abriu aporta do quarto para chamar a menina para ir a escola. Abrindo as cortinas, com a claridade invadindo o quarto, o grito pavoroso ao olhar a menina.
-Agora sou uma boneca de verdade mamãe!

2 comentários:

  1. Se ela dissesse: "Vamos nos divertir" aí eu sairia correndo daqui agora.

    Reminescências de um certo seriado que eu curtia tanto...

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  2. Que surpresa ler isso, depois olha o desenho novo que postei faz muita referência (para mim fez muito sentido) estou gostanto tanto de ler seus textos, me inspira muito, fada linda.

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